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New Babylon de Constant na 29a Bienal de São Paulo

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Uma das questões em pauta durante a 29a Bienal de São Paulo, realizada entre Setembro e Dezembro de 2011, girava em torno do pensamento utópico e suas implicações no campo da arte contemporânea. Já no terceiro andar de exposição, ao final da área climatizada do pavilhão da Bienal, o visitante encontrava um conjunto de trabalhos um pouco fora de lugar no contexto de uma exposição de arte contemporânea, conjunto este encabeçado por dois grupos de desenhos e gravuras realizados por coletivos de arquitetos e designers europeus durante a década de 1960 e começo da década de 1970. Por sua matriz urbanística, distinguia-se de outras obras históricas apresentadas na exposição, abrindo uma espécie de parênteses para uma reflexão que não se dá nem no tempo presente do encontro do público com as obras, nem no tempo passado mnemônico dos registros de ações e performances, mas no tempo especulativo dos projetos. Demarcado por um artifício cenográfico sugerido pelos artistas Julie Ault e Martin Beck – um forro industrial branco com lâmpadas fluorescentes – esse conjunto reuniu projetos visionários históricos e trabalhos artísticos contemporâneos em um esforço de apresentar e debater um certo ideal utópico formulado no pós-guerra europeu .
O texto que apresentava essa seção da exposição começava com uma citação da primeira edição da revista Internacional Situacionista, publicada em 1958:
“Todas as descobertas feitas pela pesquisa científica desinteressada foram até aqui negligenciadas pelos artistas livres, e empregadas imediatamente pela polícia [...] É preciso entender que devemos apoiar e participar de uma corrida entre os artistas livres e a polícia para experimentar e desenvolver usos das novas técnicas de condicionamento”.



[1 a 3] Vistas da sessão com fragmentos de trabalhos do Archigram, Superstudio, Graziela Kunsch e Julie Ault e Martin Beck. Fotografias de Ricardo Miyada

Seguia-se a consideração de que o grupo de trabalhos ali apresentado deveria ser lido dentro do mote dessa corrida entre artistas livres e polícia pelas técnicas de condicionamento do ambiente, o qual se fundava numa hipótese primeira de que os meios tecnológicos poderiam ser peças chave na liberação criativa e política dos homens. No breve texto de parede, no entanto, não era justificado porque essa citação central havia sido retirada de um texto publicado por uma revista com um corpo editorial prioritariamente francês e holandês, quando nenhum dos artistas e arquitetos apresentados na Bienal estivera diretamente ligado a Internacional Situacionista.
Essa referência aponta para a Internacional Situacionista pois foi nas páginas desse periódico que germinou um dos projetos visionários mais emblemáticos desse período, a New Babylon de Nieuwenhuis Constant. Esse projeto foi preselecionado pela curadoria da 29a Bienal, que visitou o Gemeentemuseum em Haia para conhecer o acervo de Constant ali guardado e chegou a solicitar o empréstimo de um conjunto de documentos e maquetes elaborados pelo artista holandês. No entanto, por falta de tempo hábil e considerando a fragilidade do material, o museu holandês decidiu não realizar o empréstimo e a presença do projeto na mostra acabou reduzida ao curta-metragem dirigido pelo filho de Constant em homenagem ao projeto e à referência indireta mencionada acima.


[4] Vista do terreiro A pele do invisível (2010), de Tobias Putrih.



[5 a 7] Frames do curta-metragem New Babylon de Constant (2005 . Panorâmicas sobre maquetes da New Babylon.

O curta-metragem New Babylon de Constant (2005) foi integrado a um dos programas audiovisuais do terreiro A pele do invisível, sendo projetado diversas vezes durante a Bienal. Nele, vemos uma sequência de travellings pelas maquetes construídas por Constant na tentativa de divulgar seu projeto e tornar suas descrições compreensíveis, ao menos como imagem. Vemos também alguns trechos de um depoimento de Constant em seu ateliê, em 1962, no qual apresenta seu projeto. Nessa descrição, o artista utiliza argumentos que encontrou na frente francesa da Internacional Situacionista , elaborados desde os anos do periódico da Internacional Letrista, liderado por Guy Debord – dali advém uma crítica aos momentos mais idealistas da arte e arquitetura modernos por seu comprometimento com a funcionalidade econômica e produtiva da cidade e do homem, funcionalidade essa que, parecia plausível dizer naquele momento, poderia estar em vias de extinção. Se bem empregadas, as novas tecnologias produtivas e a automação poderiam liberar o homem de seu papel como unidade de força de trabalho, interrompendo a constante da exploração do trabalho do homem pelo próprio homem e liberando a cidade de sua formatação funcionalista. Para os Situacionistas, o tempo do homem regrado pelo trabalho poderia chegar ao fim, sendo substituído pelo tempo do homem como ser criativo e lúdico.


[8] Frame do curta-metragem New Babylon de Constant (2005).

Os textos de fundação do grupo e as primeiras edições da revista da Internacional Situacionista reiteram essa hipótese e chamam por um Urbanismo Unitário , trabalho integrador que deveria identificar as potencialidades das cidades e homens existentes a engajarem-se numa vida permanentemente criativa e inventiva – uma vida imersa na exceção, nos termos de Godard –, além de incitarem experimentos piloto do novo homem e sua nova cidade. O caminho tomado por Constant toma uma direção específica, tentando dar forma à cidade do Homo Ludens , tanto como modelo social quanto como modelo espacial.
Em artigos inicialmente publicados na própria I.S., Constant formula as bases do modelo social e espacial que apresenta brevemente no curta-metragem: New Babylon é um espaço que torna a estruturação física das cidades obsoleta, por concentrar em seus subsolos, de forma automatizada, toda a infraestrutura necessária para seu abastecimento; sobre a superfície do solo, um labirinto de dimensões ilimitadas repousa elevado por estruturas metálicas, deixando o solo livre circulação de pessoas e veículos; as formas do labirinto podem ser as mais diversas, contrastando fortemente de um setor ao outro da New Babylon, e suas peças são móveis, possibilitando modulações infinitas do espaço, que ademais tem condições de temperatura, luminosidade e sonoridade totalmente manipuláveis; sem casas privadas, os homens vivem de forma nômade, compartilhando a morada desse castelo de mil aposentos e preocupando-se apenas com a satisfação de seus desejos e com a realização de suas ambições criativas e lúdicas.
Como frisa em seu depoimento, Constant acreditava que a New Babylon poderia se expandir ilimitadamente, crescendo como uma rede que atravessa territórios e liga fragmentos urbanos. Sua forma, a rigor, não poderia ser determinada senão por seus habitantes, contradição que o artista procura resolver criando inúmeros modelos que não se encaixam e nem parecem pertencer à mesma cidade, embora compartilhem alguns traços materiais e compositivos, que por sua vez ecoam formas esboçadas pelos artistas e arquitetos russos após a revolução soviética. Um desejo expressivo de monumental ênfase estrutural motivou representações de uma plataformar tensionada por cabos e mastros de enorme extensão, nas quais não se estruturava uma configuração estável, mas antes se tentava prefigurar a relação entre modo de vida pós-revolucionário de seus habitantes e o espaço precário da New Babylon. Tal relação deveria ser ativa e movida pelos dos usuários engajados cotidianamente na formação de seu novo espaço social, cuja funcionalidade não corresponderia em absoluto às funções das cidades capitalistas (e socialistas) do século XX.




[9 a 11] 1959-60, ‘New Babylon; Gezicht op een sector’, Constant Nieuwenhuys: Perspectiva, planta e elevação.

Muito embora tenha uma gênese profundamente articulada com os pressupostos situacionistas, a New Babylon em pouco tempo deixou de seu um projeto coletivo e conformou-se como obsessão pessoal de Constant. Por seus esforços de divulgação da New Babylon e por sua cada vez maior proximidade com o campo de discussão de urbanismo e da arquitetura, ademais no mesmo momento em que Debord e os situacionistas começavam a desconfiar da eficácia da elaboração de modelos e projetos utópicos, Constant acabou se afastando do coletivo, que demonstrou ser pouco tolerante ao desenvolvimento dos detalhes e modelos arquitetônicos da New Babylon, e seguiu seu trabalho individualmente . Uma vez que Constant estava tentando projetar, ou antes, incentivar, um espaço para uma função e um cliente inexistentes – definindo apenas o que eles não eram – a configuração do projeto estava sempre aberta a mudar radicalmente e os anos gastos em seu desenvolvimento foi antes uma contínua transformação expressiva e complemento discursivo da New Babylon do que seu detalhamento e resolução progressiva.
O vasto conjunto de documentos – textos, desenhos, pinturas e maquetes – empreendidos por Constant são uma materialização da crítica situacionista que se destaca por assumir-se como uma proposição utópica. Tal estatuto se dá porque no projeto da New Babylon estão articulados os três polos constituintes do pensamento utópico identificados pela historiadora do urbanismo Françoise Choay: crítica radical ao seu tempo, esboço de um modelo social que funciona como antítese à sociedade existente e a descrição narrativa de um modelo espacial perfeitamente ajustado ao modelo social esboçado .


[12] 1971, ‘Gezicht op Sectoren’, Constant Nieuwenhuys: Perspectiva e colagem.

Numa das discussões organizadas pelo evento ¨Esboços para novas culturas¨ na 29a Bienal, Tom McDonough, instado a pensar coincidências e distâncias entre a utopia de Constant e os projetos apresentados na sessão da Bienal aqui em pauta, sugeriu que talvez o argumento mais provocativo dessa época era seu caráter, digamos, ¨anti-Malthusiano¨, quer dizer, sua crença na inversão da curva que vincula o crescimento da humanidade ao crescimento de suas necessidades. Essa simples inversão colocaria em crise a ideia de economia e abriria um imenso vazio passível de ser ressignificado pelos artistas e arquitetos engajados na invenção de novos modos de vida.


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